30 de março de 2024

O DIA EM QUE A CRIATURA FEZ A FESTA COM SEU CRIADOR

Fotos Manoel Souza

  

   Em meados dos anos dois mil, durante uma das entregas do prêmio anual Ângelo Agostini, que premeia os melhores de cada ano anterior dos quadrinhos nacionais, estive presente com minha esposa para, além de assistir o evento, celebrar alguns amigos laureados. Minha esposa, embora ligada ao mundo artístico, trabalhava então como atriz de teatro, conhecia muito pouco do universo das Histórias em Quadrinhos e naquele momento, muito menos do universo da produção nacional, mas estava entusiasmada pelo evento em si e principalmente pelo fato do teatro do Senac do bairro Lapa aqui em São Paulo, localidade onde naquele período algumas das premiações do Ângelo Agostini foram realizadas, encontrava-se lotado. Público interessado nas premiações, fãs, amigos e parentes dos artistas em destaque. 

            Durante um determinado momento da cerimônia, um artista da velha guarda recebeu a homenagem de Mestre do Quadrinho Nacional pela vida dedicada à Nona Arte e pelo conjunto de sua obra, e foi então que um determinado ilustrador (por razões óbvias não direi o nome) subiu ao palco para receber o prêmio. Com uma mão fortemente enfiada no bolso e outra segurando o troféu, andava para todo o lado do palco, provavelmente nervoso e ao mesmo tempo tímido pelo momento, discursando dos infindáveis problemas da área, da dificuldade de se produzir e vender quadrinhos no país, da falta de dinheiro, do não reconhecimento que vem da mídia, do público e às vezes da própria classe e uma série de outras lástimas, que passado todos esses anos não me recordo. Daquele período para hoje a situação deu uma razoável melhorada, diga-se de passagem, inclusive com um Big Bang fabuloso de novos talentos de todos os gêneros, escrevendo, desenhando e publicando com uma qualidade estrondosa. Mas voltando ao palco do Senac, a fala do então Mestre, estava carregada de razão e sim é importante levar ao público a dificuldade de se produzir essa arte. Não há dúvida. Porém, estávamos em um evento de celebração onde, apesar de tudo, estamos aqui, fazendo de um jeito ou de outro. A premiação em si, era e ainda é por si só um ato de fé, de resistência e isso é o mais importante. Foi durante esse desamparado discurso que minha esposa virou-se para mim e perguntou: “Laudo, mas é tão ruim assim mesmo?”. Não me recordo o que lhe respondi e passado todos esses anos nem importa mais.

            Aquele momento ficou durante um período na minha cabeça. Embora compreendendo perfeitamente a cabeça do meu amigo “mestre” laureado, achava que o canto deveria ser de vitória, de crédito, de ir adiante apesar de tudo. Era preciso promover algo totalmente anárquico daquela tristeza e no future que habita o coração de muitos artistas. Afinal, criamos, geramos ideias, mundos, personagens, geramos vida, mesmo que no papel. Fazemos arte e o principal é contrariar mesmo aquilo que é fato e regra a favor e contra nós. Foi nesse sentimento que pensei, caso ganhasse algum prêmio nos próximos anos, promoveria algo no durante o evento de entrega dos troféus, algo que mesmo de um modo simples e pequeno, mexesse pelo menos com a entrega do prêmio onde, mesmo laureando artistas e obras, às vezes a melancolia perdurava em alguns casos específicos, como o citado. 

          Entramos em 2009, um ano depois dos acontecimentos, por uma brincadeira da vida, fui premiado na categoria Melhor Desenhista Nacional e claro, toda aquela intenção inspirada pelo mestre, teria que ser parida, vir à luz. Como se diz, vamos bagunçar o coreto!          

        
  A série da minha personagem
Tianinha acabara de entrar em seu nono ano de publicação ininterrupta dentro da revista Sexy Total. O fotolog (sim é coisa antiga, crianças!) da personagem que vinha mantendo, tinha uma média de duzentas a trezentas mil visualizações por mês. Um sucesso! Uns três anos antes eu havia dado uma entrevista para o programa do Otávio Mesquita no SBT, falando sobre a personagem e na ocasião, foi pensado entre eu e a produção levarmos uma garota loira se fazendo passar de Tianinha, enquanto acontecia a entrevista que seria


feita dentro de um motel. Nada mais propício. A lembrança disso trouxe-me a inspiração necessária: iria levar uma garota linda, sexy e loira, a própria Tianinha para sair em meio ao público para subir ao palco e me entregar o prêmio. A ideia foi levada até Worney Souza, um dos organizadores do prêmio que adorou a ideia e assim aconteceu na data de 14 de Fevereiro de 2009. O público presente que lotava o teatro do Senac, foi surpreendido com a atuação de uma amiga, Arielle, atriz, que cobria todos os requisitos que a personagem pedia, se fazendo passar pela própria Tianinha. Interagindo com os presentes, saindo de algumas situações e controlando todo o ambiente que acredito, a própria se real fosse (mas será que ela não é real mesmo??), não teria feito assim. E para o meu espanto, os presentes julgavam eu mesmo desconhecer a armação toda. Sim, nota dez para a ação!!

           Mesmo tendo engendrado toda essa deliciosa situação, foi algo inesquecível e saboroso ganhar um prêmio entregue pelas mãos de sua própria criação, principalmente sendo ela a própria loirona. 

           Por outro lado, mais uma vez reitero que entendo a dor, o desalento, a decepção de muitos amigos e conhecidos contemporâneos sobre o árduo caminho de se fazer quadrinhos, mesmo hoje com um cenário melhor. Ela é pertinente. Mas, podemos ser maiores que isso, podemos enxergar a possibilidade. O tempo vem mostrando que sim. Os novos autores que vem surgindo pela estrada dizem que sim.E é nisso que devemos apostar.

          Curiosamente, alguns poucos meses depois a série da Tianinha foi encerrada pela editora. Fechava-se a era das revistas masculinas, as revistas de mulher pelada, ao qual a série de hqs da loira pertenceu durante nove anos. Encerrei ali minha relação com a personagem (mesmo tentando trazê-la de volta numa série independente em 2017 que não aconteceu) e qual melhor forma de nos despedirmos, criador e criatura, que trazendo essa parceria para interagirmos com o público?

Página da série da Tianinha no período da revista "Sexy Total"



          


2 de janeiro de 2024

O QUE VEM POR AÍ EM 2024 (assim espero)

   Nesse ano que acabou de acabar, minhas atualizações neste, ao qual sempre me refiro como “meu bom e velho blog”, procurei manter um razoável ritmo de postagem. Não com aquela frequência ao qual muitas vezes pretendi, mas dentro da medida do possível estive comparecendo e compartilhando com vocês diversas coisas ligadas ao meu trabalho.

            Trazendo então minha primeira postagem de 2024, quero mostrar alguns dos projetos em andamento e outros já concluídos que provavelmente serão lançados ao decorrer deste ano. Obviamente não depende só de minha vontade (quem dera assim fosse!), mas envolve outros tantos independentes de minha pessoa. 

Não precisa me amar toda hora

Roteiro de Sergio Chaves. Querido amigo de longuíssima data. Editor, roteirista e design, que há quinze anos vem trazendo sua fundamental revista de cultura em geral, e claro, muito quadrinho, Café Espacial. Premiada inúmeras vezes com o HQ Mix. A hq conta sobre os conflitos pessoais e amorosos, e tudo misturado, de Simone uma mulher madura, professora, assim como das pessoas à sua volta: seu marido, um caso amoroso e uma amiga. Tudo ambientado numa metrópole paulistana.  Dentro do processo de quadrinização que venho desenvolvendo,  procurei dar um clima, um ritmo muito, mas muito inspirado nos filmes da Novélle Vague dos anos 60, assim como outros clássicos do cinema europeu deste mesmo período como Anônimo Veneziano. E tudo muito regado, obviamente a uma trilha sonora deste mesmo período e principalmente desses filmes e outros, ambientando o estúdio na hora de produzir as artes. Obviamente, na ocasião do lançamento voltarei a falar melhor dessa hq.


O homem do lado de fora

Roteiro meu, com arte estupenda de Rodrigo Mazer. Trata-se também de um roteiro produzido há algum tempo, assim como Não precisa me amar toda hora, e que teve todo um percurso até ser realizado. Aqui, um psicólogo pesquisador da expansão da consciência e seus métodos para tal realização, dr. Jefferson, enquanto realizava uma de suas experiências, acaba desdobrando sua consciência, atravessando as barreiras da realidade e enxergando o mundo, ou a verdade, como ela realmente é e, principalmente o horror que isso representa não só para ele como para todos nós. A arte hiper-realista do talentosíssimo Rodrigo Mazer traz o tom perfeito que esta história precisa ter.

Letícia faz cinema

Roteiro de Antonio Vicente Pietro, é uma viagem idílica e psicodélica por um universo do cinema clássico de todas as épocas e gêneros, tendo como protagonista, obviamente a Letícia do título: uma atriz que se submete à todas possibilidades que cada momento por ela vivido e experimentado dentro do universo cinematográfico. Muito sexo, sadomasoquismo e outros delírios.

O alimento do Dragão

Roteiro meu com arte estupenda de Marcel Bartholo. Anteriormente já havíamos feito O santo sangue, que inclusive ganhou um HQ mix de Melhor Roteirista. Esta hq traz uma nova peripécia de Vérnio, o matador de aluguel, protagonista de O santo sangue. Aqui, o personagem já está numa idade mais avançada que em sua aventura anterior e com problemas recorrentes, como a visão fraca e tremores nas mãos. Mesmo assim, precisando arrumar de dinheiro para seu sustento, inclusive para comprar seus remédios, aceita mais trabalho sujo: eliminar uma família de retirantes que se abrigaram nas terras de um latifundiário. A questão perene em toda história que envolve de certa forma todos os personagens é, o que alimenta realmente sua existência? Você tem fome de que? E assim, como em O santo sangue, a expectativa é se Vérnio irá ter uma nova experiência de vida e irá entender que é hora de mudar seu destino ou irá continuar preso à seus princípios?


            Todas essas produções em andamento (exceto O homem do lado de fora que já está totalmente finalizado) ainda estão sem editora, vale acrescentar e obviamente sem previsão exata de lançamento. Como disse, há um projeto de quem sejam lançados ao decorrer deste ano.

            Há ainda a série Ménage que faço com Germana Viana e Marcatti que deverá ter sua edição de número sete já em produção brevemente e outros projetos já concluídos há mais de uma ano e que ainda não posso divulgar. Vamos torcer que este ano, também saiam do forno.

             Começando o ano com uma perspectiva de semear e colher o fruto de tantos anos de amor por essa arte de contar e desenhar histórias.

      


20 de novembro de 2023

GERANDO UMA CAPA E SUAS INFLUÊNCIAS

             Hoje eu trago para vocês, uma sequência de estudos para a capa de As tentações de Santo Antão, trabalho meu lançado em maio último pela editora Devir. Aqui no meu estimado blog tem uma postagem comentando sobre este trabalho. O processo de criação de uma capa sempre envolve muita transpiração e inspiração e dependendo leva-se um bom tempo até chegar na ideia definitiva. Às vezes não, como é o caso deste livro. Com As tentações de Santo Antão, a ideia veio praticamente antes de iniciar os desenhos da hq em si e com aprovação da própria editora. Só faltou fazer alguns ajustes, mas a ideia era basicamente uma só.



             Quem razoavelmente conhece meu trabalho, sabe da tremenda influência que tenho na estética dos anos 60/70, tanto na moda, quanto no cinema, principalmente as produções europeias, mais especialmente italianas e francesas deste período. A estética de filmes do cineasta Pier Paolo Pasolini, ou dos estrelados pela brasileira Florinda Bolkan em terras italianas como Flavia, la monaca musulmana, por exemplo, foram fundamentais para o visual da trilogia Yeshuah e agora em As tentações de Santo Antão.  A imagem do homem em sua angústia perante a expressão viva à sua frente do amor, da paixão, do carnal,  e a dor do conflito do sagrado com o profano em si, permeia toda a história. A intenção desde o início era que a capa trouxesse isso, por mais que pudesse parecer se tratar tão somente de uma obra de cunho erótico, o jogo com o leitor, ou melhor, o convite era esse. Algo como, de certa forma, é o que acontece com o protagonista desta trama. 

A capa em questão e suas influências, por mais que numa primeira ou até mesmo segunda leitura, passem desapercebidas pelos olhos de leitores que desconheçam ou tiveram pouco contato com esse tipo de cinema, foi gerada dentro deste clima, convidando inclusive este leitor a adentrar neste universo proposto que traz muito mais que a capa apresenta.


As tentações de Santo Antão você pode adquirir através desse link 







26 de setembro de 2023

ADAPTANDO UM CLÁSSICO NACIONAL

  




Um exercício de criatividade que a mim sempre foi muito interessante é o de poder trabalhar com ideias pré-concebidas ou propostas de temas, acho até que essas duas possibilidades de alguma forma se assemelham. Assim foi com hq’s produzidas para várias revistas como Café Espacial, Clássicos Revisitados, Mestres do Terror e claro, Ménage, gibi produzido de forma independente com os amigos e tremendos artistas Marcatti e Germana Viana. Breve prometo falar sobre esta publicação. A coisa toda merece.

            Tenho feito ao longo dos anos adaptações de vários clássicos da literatura brasileira e mundial, um dos mais conhecidos e vendidos é a versão que fiz de O auto da barca do inferno do Gil Vicente, lançada pela Editora Peirópolis, que aqui no meu blog há mais de uma postagem contando alguns passos do processo. A ideia de trabalhar sobre um texto clássico é por si só desafiadora e torna-se mais ainda quando é preciso colocar uma marca pessoal nesta adaptação mesmo que honrando absolutamente a história, o texto original. Há alguns poucos anos atrás, a editora Renata da Ateliê da Escrita procurou-me interessada em que eu produzisse uma adaptação de um clássico da literatura brasileira para os quadrinhos. Um delicioso bate-papo sobrevoando as infindáveis obras do panteão de autores nacionais acabou aterrissando em um convite à princípio para mim inusitado que seria trazer para a narrativa sequenciada dos quadrinhos a obra Iracema de José de Alencar. E neste primeiríssimo instante a minha

cabeça pensou e acredito num segundo depois externou a certa marra que este livro trouxe consigo, principalmente entre os jovens de vários períodos, o  de se tratar de uma leitura muito difícil, rebuscada, claro pelo período em que foi escrita e ligada, o movimento literário romântico, onde esta era uma das características fortes. Mas, profissionalmente a proposta foi aceita e como sempre faço, busco achar no trabalho encomendado um ou mais pontos onde a minha parte autoral, criativa, possa se encaixar para que a obra saia com toda honestidade possível.

           Li Iracema quando tinha meus quinze anos, um pouco mais, um pouco menos, talvez, claro dentro de trabalhos escolares e coisas desse tipo. Nessa releitura para a produção da hq e principalmente feita com olhos de alguém que já labuta há muitos anos na contação de histórias desenhadas e, creio eu, com a sensibilidade um pouco mais aguçada, toda a história da índia Iracema, filha do pajé de sua tribo e seu amor pelo soldado português Martim, veio de uma fantástica forma nova e até certo ponto inusitada cheia de possibilidades narrativas para sua adaptação. Isso obviamente trouxe a euforia do ineditismo de uma criação pronta para ser feita. Uma nova leitura da obra foi feita para assimilar melhor a história e trazer mais possibilidades, uma pequena pesquisa tanto na escrita como no audiovisual sobre a obra e seu criador e pronto, estava tudo formatado. Em reunião com a editora trouxe alguns apontamentos sobre a obra, sempre pensando na adaptação e para todas as possibilidades de leitores. Isso é fundamental: pensar sempre em quem vai ler, pois é para eles que criamos. Haviam alguns entendimentos curiosíssimos na história de Iracema, como a questão dela ser filha do xamã da tribo e justamente por isso  ser a protetora da bebida Jurema, um chá que tem uma certa semelhança ao Ayahuasca (com certas diferenças das plantas usadas em suas preparações) mas com resultados semelhantes em seu consumo, ou mesmo a diferença do tipo das tribos mostradas na história: uma, a da protagonista, mais mata adentro e outra a rival, mais próxima ao litoral. Lembrando que a história acontece num Ceará nos primeiros anos da descoberta do Brasil. Enfim, diversos pontos, alguns importantes, outros nem tanto assim, mas claro, com sua significância. As cores deste trabalho ficaram nas mãos de Flavio Soares.

            Um ponto fundamental para que o resultado da obra alcance um nível beirando a perfeição, se é que se pode dizer assim, é a confiança da casa que te contrata. Essa confiança permite uma liberdade por parte do autor/adaptador respeitando os pontos importantes à editora, porém prezando a reflexão e o modo que quer contar essa adaptação. 


Iracema é uma história de amor, da inocência de um amor puro e verdadeiro que a tudo sacrifica em nome dele, no caso Martim, o bravo soldado português, também embalado por esse amor dócil, mas sem a maturidade e perfeição que sua amada traz e lhe propõe criarem juntos. Um tema delicado e bonito, embalado por uma grande aventura num Brasil ainda selvagem. O final com a célebre frase “Na Terra tudo passa”, mostra a compreensão da vida e dos rumos que as coisas se seguiram e que assim deveria ser. Uma máxima simples, profunda e perfeita, que confesso ter sido o ponto central, a estrela-guia que me guiou nesta adaptação.



Quem se interessar em conhecer esTe trabalho, basta conferir no site da editora Ateliê da Escrita.

            

            


I

27 de agosto de 2023

PENSANDO NA CORES


   Sou daltônico. Da categoria dos que confunde, troca muitas cores: verde, marrom, azul, rosa, cinza… O caso de ilustradores, desenhistas terem essa deficiência, se é que posso cometer o abuso de chamar disso, não é tão incomum no meio das artes e mais especificamente das hq’s. Um exemplo disso é britânico John Byrne, grande mestre da nona arte, responsável por grandes clássicos da Marvel.  O fato é que ao longo de minha carreira nos quadrinhos, especificamente falando, nunca me preocupei com a questão das cores nos meus desenhos. Primeiramente porque durante muitos anos em que tive parceria com o artista Omar Viñole no Estúdio Banda Desenhada, essa responsabilidade, a colorização, cabia a ele e, diga-se de passagem, magnificamente bem. Embora conversássemos bastante sobre a paleta de cores a ser usada em determinada história, ambientando, dando o clima, sempre expunha minhas intenções, porém deixando a realização e como chegar nessa paleta de cores desejada a ele. E esse método se estendeu posteriormente a outros coloristas com quem trabalhei como Flávio Soares (Iracema) e Thaynan Lana ( O vampiro, Aventureiros do Faz de Conta).

Porém em meu mais recente trabalho lançado, A prisioneira, com roteiro do mestre R.F. Lucchetti, para coleção Escafandro da editora Ultimato do Bacon, resolvi mudar um pouco o foco, digamos assim. Já havia colorizado outros quadrinhos meus como Os faroleiros e outros contos de Monteiro Lobato e Navio Negreiro e outros cantos de Castro Alves, ambos lançados pela Editora do Brasil, porém nesses casos a colorização basicamente funcionou como o elemento a que se propunha. Em A prisioneira, a ideia de pensar uma cor e executá-la d’uma maneira própria veio justamente após a leitura do conto do Lucchetti, um mistério que vai do começo ao fim brincando com as expectativas do leitor. Como sou um profundo admirador do cinema europeu B dos anos 60 e 70, assim como do cinema brasileiro desse mesmo período e venho criando um universo estético em minhas hq’s baseado nesse clima cinematográfico(futuramente falarei disso aqui), resolvi que a cor teria uma menção dos clássicos filmes de suspense italianos desse mesmo período, o gênero giallo, tão popularmente difundido por cineastas como Mario Bava, Lucio Fulci e Dario Argento, esse último responsável, talvez, por um clássico absoluto e mais conhecido desse gênero, Suspíria. A ideia de trabalhar com cores fortes, quase caindo no

monocromático em alguns momentos e, principalmente sem tanta preocupação com uma lógica de cores, explico, azul - céu, marrom - tom de pele, tronco de árvore, verde-mata… compreenderam? Tudo isso veio formatado e deliciosamente aceito para esse trabalho, o que definitivamente trouxe luz aos meus quadrinhos, me proporcionando curiosamente a enxergar uma cor pessoal aos meus desenhos, e que me pareceu ter sido aprovado pelos leitores.


              Claro não me considero de forma alguma um colorista, comparando a tantos craques das cores que se tem por aí, incluindo muitos brasileiros, porém, posso me considerar que dou cor aos meus desenhos e que creio conseguir fundir a ideia: a estética pensada (a conversa dos anos 60/70 que voltarei a falar reiterando), meu tipo de desenho e história, quer escrita por mim e por esses grandes parceiros.



Quem se interessou por A prisioneira, é só ir no site da editora Ultimato do Bacon

Para entender melhor sobre o gênero de cinema giallo é conferir neste link

15 de agosto de 2023

QUANDO UMA CAPA FEZ A CABEÇA DE UM JOVEM FUTURO ARTISTA


            Dias atrás cruzei com essa  imagem de uma capa das antológicas publicações de terror brasileiro produzidas nos anos sessenta e setenta pela Editora Taika, casa editorial brasileira responsável por muitos títulos de quadrinhos brasileiros, como faroeste, guerra, humor, mas claro, o terror era o sucesso da Taika e o grande mestre ítalo-brasileiro Nico Rosso uma das grandes estrelas da editora. Essa capa em especial é de sua autoria, nem precisaria dizer, pois dá para perceber claramente nessa icônica assinatura. 

            Mas o motivo de comentar sobre essa capa é justamente por ser ela o gatilho como se está em moda dizer hoje em dia,  para uma nova percepção para o que se ler e principalmente para o que se criar em termos de quadrinhos. Isso digo de um menino lá no distantes anos setenta, consumidor irreparável desses títulos da editora Taika e que já fazia suas hq's. Essa ilustração mexeu profundamente com aquele muito jovem Laudo, claro pela sua dose excessiva de erotismo, mas pelo clima aí mostrado, o rosto sombrio e ameaçador, porém ao mesmo tempo enigmático do Drácula.  Lembro, se é que posso ter uma lembrança absoluta de algo que deve ter aproximadamente uns cinquenta anos, que quando vi essa capa, esse gibi nas bancas de São Vicente (cidade que nasci e morei até final dos anos setenta) ter tido esse tremendo impacto mas também ter demorado algum tempo para tomar coragem e comprar especificamente esta capa,  temendo bronca, puxões de orelhas do meu pai. Um adendo, não que já não comprasse outras publicações de terror na época, mas não com essa força, digamos assim. Pelo quase nada que me recordo na sequência, meu pai viu essa capa, ou teria sido minha mãe?... lembro da bronca... ela houve... mas parece que no final a coisa acabou seguindo e o gibi ficou comigo sem problemas... pois o material interno, mesmo sendo terror era mais "ameno", posso dizer.

Arte fantástica deste mestre absoluto que foi e é Nico Rosso

             Nico Rosso, como disse, foi uma das grande estrelas dessas publicações da Taika, me influenciou de uma maneira única, e claro, principalmente pelo seu jeito de desenhar mulheres.  À partir daquele período comecei a comprar outras publicações de outras casas editoriais com arte deste mestre, como o caso da coleção Clássicos da Literatura Juvenil,  da editora Abril, trazendo, como o próprio título dizia, obras máximas da literatura mundial ricamente ilustradas por grandes artistas nacionais e Nico Rosso frequentemente trazia suas artes para maravilhar essa coleção. 
            Claro, não foi Disney, nem Maurício de Souza ou coisas assim que fizeram a cabeça daquele menino futuro desenhista... teve super-heróis... teve muito humor (Recruta Zero, fui e ainda sou fã) mas teve muito Nico Rosso e suas vampiras e monstros estranhos...
            Mas essa conversa que agora trago para vocês é para de certa forma deixar registrado essa história peculiar sobre um gibi para adultos, que então e como sempre foi, muitos jovens e moleques liam, que marcou-me de uma maneira única e ajudou de maneira integral à moldar meu trabalho, lançando sua primeira semente que seria depurada e entendida com o passar dos anos e talvez ainda esteja sendo entendida e depurada, nem só por esse primeiro conteúdo que comentei incialmente, mas o tanto mais de coisas que pode trazer em si enriquecendo o trabalho e buscando sempre sua cara.


Uma das raras fotos de Nico Rosso



 


30 de julho de 2023

SEMPRE A POESIA!

            Releitura de sábado a noite. Se aprofundando mais nesse trabalho incrível encabeçado pelo Sergio Chaves e Lidia Basoli há tantos anos. Tanta gente talentosíssima participando... Mariana Waechter, assinando a capa, Jana Lauxen, Maria Clara Carneiro, Talita Grass, assinando textos, quadrinhos de gente muito, muito batuta, boa, Alex Sander, Henrique Magalhães, Lielson Zeni, Ebbios, Rosana Moro e Liber Paz, e muitos outros tantos. Gente de altíssimo gabarito. Mas, a mim, a síntese da edição e com certeza uma síntese para nossa alma humana (independente do gênero) está absoluta no poema "Final girl" de Marcia Heloísa
           Obrigado Marcia, por esse vento forte e bonito de fé. Vai um trecho final...

escreva
para o desagrado
dos ferozes
e pelo resguardo
dos mansos

escreva
a despeito da certeza

em respeito aos mortos
em vinho aos mestres

escreva

para ser dona do desfecho

e não vítima
da vida